domingo, 27 de junho de 2010

A ilha


Um dia parti. 
Construí uma jangada com restos de mágoas e lancei-me à solidão. De costas voltadas para o mundo inventei um cântico que me mantivesse os olhos secos e remei contra um horizonte inventado. 
Para trás ficava um mundo no qual não encontrava o meu lugar. 
Rodeei-me de nevoeiros intensos que me cegavam e me roubavam a vontade de continuar uma jornada sem destino; criei monstros que surgiam das profundezas dos meus maiores pesadelos e me consumiam a serenidade. Longas eram as noites... enfadonhos tornavam-se os dias.
Passadas águas de revolta avistei um lugar vazio. Tão vazio que o podia preencher por inteiro. Desembarquei. Sentei-me numa praia imaginária e procurei o mundo que deixara para trás. Sentia-o distante de mim. Era assim que o queria. Era assim que me tornara: só. Eu e mais ninguém. Eu e o meu mundo... Lá, residiam histórias fugazes de me encantar os sonhos; segredos demasiado secretos para ecoarem do outro lado do mar. 
A revolta habitava dentro de mim enquanto ninguém me ouvia cantar baixinho... à procura de um verso que me sossegasse o medo e me permitisse não ouvir as vozes do interior. Deixei-me rodear de dúvidas; de medos; de insatisfações; de vazios perpétuos que me ensinaram a viver comigo distante dos outros. Entre sonhos rabiscados nos pensamentos e a sua destruição antes que a esperança ganhasse asas em vão, aprendi que é assim que se morre nas mãos da solidão.
"Nenhum homem é uma ilha..."
* Eu encontrei a minha... bem longe... a oceanos de distância do mundo, bem cá dentro de mim. Estou a fazer a viagem de regresso a casa. Na bagagem trago memórias vazias que me assustam perante um futuro incerto e o medo que as marés me levem de volta à minha ilha deserta do mundo palpita-me nas remadas.
Contudo hoje sei que para mim, viver é navegar ao sabor dos sonhos, sempre com uma bandeira hasteada no centro da minha jangada, para me guiar amanhã pelas águas que estão por vir. 
Ir e voltar faz parte do trajeto... é parte da vida.

* Citação do filósofo Teilhard de Chardin.

Nenhum comentário: